quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Melhor do tango mundial compete em Buenos Aires



A cidade, que é tango o ano inteiro, transfigurou-se do único jeito que era possível: festa total, ao ritmo do 2x4, a designação pela qual se conhece, também, a mais famosa das manifestações da rica cultura argentina, uma alusão directa aos passos que se precisa marcar para a elegante dança de salão.

Buenos Aires, que ainda nos turva a retina depois de uma recente visita de grata memória, está agora sob festiva invasão de turistas e bailarinos do mundo inteiro, os primeiros para testemunharem a grande loucura em que se transformaram as pistas das casas portenhas dedicadas ao tango, e os outros, os que têm agilidade e arte nas pernas, à caça de um prémio e a consequente notoriedade.

Está em marcha o Festival Mundial de Tango, uma espécie de Copa do Mundo da FIFA, não futebol num rectângulo relvado mas exibição explosiva de sensualidade e alegria no cimo de um palco espiado, ao milímetro e sem remorsos, por um júri implacável.

Aos pares, em grupos de dez, os concorrentes caminham abraçados pelo cenário, esbanjam arte e preciosismo, ele atento aos passos dela, e ela decidida a não destoar, porque vacilar é quase sempre o caminho da desqualificação.

São três os números que têm de executar, logo a seguir sobem ao estrado outros dez pares. Os quatro membros do júri classificam o caminhar, o abraço e a elegância. Nos seus lugares e menos tensos, os espectadores, sempre às centenas, esses desfrutam do singular momento: embrulham-se na música, deleitamse com o baile e, na sobra, atiram-se sobre a feira de artigos de merchandising pensados para imortalizar a experiência. Há de tudo, pequenos objectos em cera, madeira, metal, barro, com bailarinos coloridos em passos esvoaçantes; casas de tango tornadas ícones; concertinas; discos; copos, porta-chaves; carteiras; esferográficas, o que for, e se a peça a levar para casa for um pequeno busto de Carlos Gardel, muito melhor. Assim é a Meca do tango, Buenos Aires.

UMA SEMANA ENDIABRADA
De todo o mundo, viajaram a Buenos Aires nada mais e nada menos que quinhentos (!!) pares. São, todos eles, vontade de vencer em primeiro lugar, mas pertencem também a uma classe muito especial de competidores: estão presos a histórias, muitas e diversas, que vão desde o esforço para reunirem finanças, largarem temporariamente os empregos ou os estudos e acabando na história essencial, que é afinal transversal a todos, o louco enamoramento pelo tango que os obriga a seguirem-no até tão longe.

Parece nada mais interessarlhes por estes dias, até chegarem à final na próxima terça-feira, 30 de Agosto, grande parte deles obviamente desclassificada, contrariedade que é, no fundo, mesquinho detalhe apenas porque o que conta realmente será sempre estar em Buenos Aires quando o tango, esse “pecado sem perdão” no dizer feliz de Albino Carlos, acontece.

Confusão total em Buenos Aires: não há bilhetes que cheguem, as filas são intermináveis e nas exibições em que as entradas são livres – como no estilo “tango espectáculo”, o mais coreográfico e que não se agarra ao tradicionalista “tango salão” – o caos multiplica-se infinitamente. Não se perde um campeonato de tango em Buenos Aires, conta como uma tonta heresia faze-lo, mas o certo é que os espaços não esticam. Talvez tenha sido por isso que no dia da abertura da competição, segunda-feira, sem agendas nem protocolos rígidos, formou-se uma animada “milonga” em plena avenida no super chique bairro de La Recolecta, atirando para a pista improvisada o circunspecto ministro da cultura, Hernan Lombardi.

“O furor do tango contagia”, dizem todos em Buenos Aires. E poderia ser, acaso, de outro jeito?

Luís Fernando
30 de Agosto de 2011

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