quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Black Music rouba espaço do rock nos grandes festivais de música pop



Redação do DIARIODEPERNAMBUCO.COM.BR


Coincidência, certamente, não é. Neste semestre, o universo pop – público, artistas, produtores – está ligado nos grandes festivais de música. De maneira geral, os eventos no Brasil têm como chamariz cantores e bandas ligados ao rock. Eles ainda são maioria, mas nomes da black music vêm tomando cada vez mais espaço. E como headliners. O exemplo mais bem acabado é o do Rock in Rio. Com ingressos esgotados desde maio, o festival, pautado no chamado mainstream, anunciou um dia extra. Encabeçando a programação de 29 de setembro estará Stevie Wonder. Ícone da música popular norte-americana, atravessou as últimas cinco décadas como nome de ponta, seja na soul music, no funk ou no R&B.
“Na verdade, quando surgiu a oportunidade de fazer mais uma noite, pensei no Stevie Wonder, pois já estava querendo trazê-lo há muito tempo. Assim que fechamos com ele, começamos a pensar em grupos que combinassem com essa noite. Não foi intencional fazermos uma noite de black music, mas sermos coerentes com o Stevie Wonder. Escolhemos também a Ke$ha porque queríamos dar uma ideia mais jovial a essa noite e, assim, unir gerações”, afirma Roberto Medina, idealizador do Rock in Rio.

Por essa “coerência” da qual ele fala, leiam-se nomes como Jamiroquai (banda inglesa que começou no movimento do acid jazz e hoje faz pop bastante funkeado), Joss Stone (inglesinha branca com voz de americana negra, canta soul com acento pop), Afrika Bambaataa (um dos fundadores do que veio a se tornar hip-hop) e vários brasileiros que fazem música com bastante suíngue, caso de Paula Lima, Wilson Simoninha e Max de Castro (com o Baile do Simonal, tributo ao pai de ambos).

Também no Rio de Janeiro, no fim deste mês, ocorrerá outro evento de grande porte. A terceira edição do Back2Black (referência a Amy Winehouse) traz Prince como principal artista. Outros nomes hoje mais pop do que black que virão ao festival são as cantoras Chaka Khan e Macy Gray. O evento nasceu em 2009, com porte menor e a premissa de fazer uma ponte entre a África e o Brasil. “Certamente, os nomes mais conhecidos chamam o público, que acaba se surpreendendo com as novidades”, afirma Júlia Otero, da equipe organizadora do evento.

Uma das apostas desta edição é o grupo Tinariwen, formado por membros da etnia tuareg, nômades do Norte da África que vivem no Saara. “O Brasil conhece muito pouco esses artistas. O Seun Kuti (nigeriano, filho caçula do lendário Fela Kuti), que tocou no ano passado, surpreendeu todo mundo”, informa Júlia. Há elenco brasileiro (BNegão e Seu Jorge e Almaz) e nomes que fazem no evento carioca sua estreia no país, caso de Aloe Blacc (americano de ascendência panamenha) e Asa (nascida na França, mas criada na Nigéria).

Um festival pode ser boa porta de entrada para artistas ainda não muito difundidos no Brasil. Vale lembrar: Amy Winehouse se apresentou em quatro capitais brasileiras, em janeiro, no Summer Soul. No caminho aberto por ela, o mesmo evento trouxe Janelle Monáe (que volta em setembro, para o Rock in Rio) e Mayer Hawthorne (que teve seu álbum lançado no país). Outro caminho é trazer referências do meio. Há 15 dias, São Paulo recebeu o black na Cena Music Festival. As principais atrações gringas foram George Clinton, Public Enemy e Lee “Scratch” Perry. Todos referências em suas respectivas searas: funk, hip-hop e reggae.

Na trilha dos craques
Dois gigantes da música norte-americana, Jay-Z e Kanye West, lançam segunda-feira o álbum Watch the throne, produzido por ambos. O primeiro single leva o nome de Otis e traz sample do standard Try a little tenderness. Não por acaso, os maiores nomes do hip-hop atual se uniram a uma das grandes vozes masculinas da soul music, Otis Redding. Morto precocemente em 1967, ele é uma das grandes referências do gênero. Outra faixa contará com a participação post mortem de Curtis Mayfield, em sample. Esse ícone soul morreu no fim dos anos 1990.

“Basicamente, o que bomba de música negra no mundo ocidental é Beyoncé, Kanye West, Snoop Dogg”, exemplifica Leonardo Soares, diretor artístico da Aorta Entretenimento, responsável pela produção de várias rádios web. “É mais fácil colocar tudo dentro do rótulo de música negra, mas as pessoas têm uma visão meio distorcida disso. A origem é africana, mas ela sofreu diferentes evoluções em cada parte do mundo”. Nesse balaio cabe de tudo: soul, funk, reggae, jazz, samba, hip-hop...

Ávido consumidor de black music, Soares ressalta que nomes que evocam os velhos mestres, e fogem do hip-hop mais comercial, não são especialmente populares. “O consumo de música negra cresceu porque o consumo de música, de maneira geral, também cresceu. Não diria que é moda, mas uma onda que tem tudo para se ampliar. O fundamental é que a nova safra do rock deixa a desejar, enquanto o black, nesta década, viu muito artista legal surgindo.”

Soares cita Sharon Jones e Charles Bradley, cantores soul com mais de 50 anos, reconhecidos tardiamente graças a discos lançados pelo selo Daptone Records, criado pelo grupo Dap-Kings, que ganhou notoriedade no mundo pop por ter participado do registro de Back to black (2006), de Amy Winehouse. Outros com alguma notoriedade são Erykah Badu, John Legend, Mayer Hawthorne e Raphael Saadiq. “Desses, talvez a única que se proponha a fazer algo novo seja a Erykah Badu. Os outros não estão preocupados em cantar algo original, espelham-se nitidamente nos grandes artistas de soul music”, conclui Leonardo Soares.

Sem nostalgia dos anos 1970
Não há como negar: o pai da soul music brasileira é Tim Maia. Em temporada nos Estados Unidos, iniciada em 1959, ele tomou contato com o soul, que ganhou sotaque brasileiro na década seguinte. Nesse momento inicial, seus principais parceiros foram Cassiano e Hyldon.

“Posso falar não só da minha música, mas dos três. Sempre tocamos em rádio e atingimos todas as classes”, afirma Hyldon, autor de Na rua, na chuva, na fazenda e As dores do mundo. Mas seu primeiro registro coube à cantora Rosa Maria, com a música Tentei lhe esquecer (1969).

Hyldon se refere à década de 1970, quando os três já tinham estreado em disco. “Até a gente começar, não havia nada. O que se ouvia era música americana.” Fã de primeira hora de The Platters e Ray Charles, mais tarde ele descobriu a geração Motown – Marvin Gaye, The Temptations e Stevie Wonder. “Nessa época, a gente participava de muitos bailes black. Em São Paulo, juntávamos 10 mil, 15 mil pessoas no Chic Show. No Rio, tinha o Domingo da Pesada. Também tocavam Banda Black Rio, Gérson King Combo e Toni Tornado. Em São Paulo, o público era mais black; no Rio, de subúrbio”, relembra.

Com a chegada dos anos 1980, a história mudou. “As gravadoras passaram a investir muito no rock’n’roll, também por uma questão de custo, pois era o próprio conjunto que gravava. O rock acabou esvaziando o movimento”. Entraram em cena o funk e, a partir dos anos 1990, o hip-hop. “Sempre andei de mãos dadas com eles”, diz Hyldon. “Não gosto de ouvir coisa antiga. Sei tudo o que está acontecendo no meio R&B: R. Kelly, Maxwell, Alicia Keys... Também tenho feito muitos trabalhos com o pessoal daqui. Tenho parceria com Mano Brown e estou começando um namoro com o Renegado”, afirma o veterano, de 60 anos.

Por Mariana Peixoto, do Estado de Minas

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